Os direitos animais trazem para o campo educativo a necessidade
urgente da abolição do ensino pautado na incoerência lógica, moral e científica
que considera que tudo no universo deve ser avaliado de acordo com a sua relação
com o homem.
Este texto foi elaborado como uma reflexão sobre a atitude da
administração de uma escola católica em não aceitar em seu entorno a
permanência de um “cão comunitário” que estava em tratamento de saúde.
Curiosamente a escola tem o nome de São Francisco, que é o protetor dos
animais.
Uma rápida história verídica:
Era uma vez…. Um cão de rua, de
nome Bilu. Ele era velhinho, sarnento, que vivia na rua, nas imediações de uma
escola católica. Curiosamente o nome da instituição era São Francisco, o
protetor dos animais. Certo dia, a administração se sentiu incomodada com o
Bilu. O resultado não foi outro: dá-lhe canil municipal, para se livrar do Bilu
de uma vez por todas! O canil, o recusou... Bilu iria continuar
poluindo o visual da nobre escola.
Por fim, anjos apareceram e, quem sabe não foram
enviados por Francisco de Assis?! Vieram e lhe enviaram para um abrigo
provisório para completar o seu tratamento e salvar a sua vida! E precisou até
de manifestação educativa e “puxativa de orelhas” para ensinar àqueles que não
querem aprender as grandes lições de Francisco de Assis: amor, união, fé,
verdade, esperança, alegria e luz!
Bilu é um cãozinho idoso, com sarna e representa apenas um nas
estatísticas cruéis de abandono nas ruas em todo mundo. Mas calma! A vida dele
não é só tragédia. Ele também é um exemplo de “cão comunitário” que recebe
alimento e cuidados especiais de algumas pessoas que colocam em prática a
solidariedade para com o próximo, incluindo os não-humanos, já que pelo
ensinamento cristão “todos são filhos do mesmo Deus”.
Ensinamento este também passado nas mais diversas religiões como o
Budismo, o Hinduísmo dentre outras, onde os animais são personificados e
detentores de alma, logo são capazes de exibir sentimentos de amor, de
solidão, de depressão, como também de solidariedade para com outros animais (e
para isso não faltam os mais diversos exemplos fidedignos em catástrofes, como
o último... Tsunami ocorrido no Japão, onde um cão pedia ajuda para a equipe de
resgate – que prestou o devido atendimento – latindo incessantemente porque o
seu “amigo” estava preso nos escombros e não podia andar. O cão, dito ser
irracional, não sabia o que estava fazendo ao pedir socorro?! ).
Mesmo para quem se considera o
mais ferrenho ateu, a solidariedade para com os não-humanos, centra-se num
jargão de origem cristã: “não fazer ao outro o que não gostaria que
fizesse para si” e basta. Logo, praticar o bem assume diversas linhagens,
mas que no fundo o resultado é o mesmo: aliviar o sofrimento de quem não pode
falar para pedir ajuda que se faz através de um olhar, um gemido para
demonstrar a sua real situação de vulnerabilidade, ou mesmo: “estou aqui e
preciso de você”! Ou quem sabe podemos ser amigos?!
No entanto, muitas pessoas ainda
se sentem incomodadas com a presença de um animal de rua que não tem raça
definida e que ainda exibe um visual não muito “belo”. Ainda mais numa
sociedade materialista onde há a exaltação da beleza, da riqueza, do perfeito e
do saudável e o que não for sinônimo disso, torna-se anormal ou até mesmo
patológico. Bilu caberia aqui como mais um exemplo de desprezo dessas pessoas
que ainda veem o mundo nessas categorias estereotipadas de realidade. Logo ele
é um não-humano excluído socialmente do direito a viver na rua por lei (Lei
13.193/2009 ).
Eis o paradoxo formado, que tipo de educação está sendo veiculada numa
escola, cujos princípios deveriam versar sobre solidariedade, igualdade e amor
ao próximo?
Que exemplos estão sendo dados? Que valores morais estão sendo
formados? Esses questionamentos devem ser debatidos profundamente, quando hoje
pela falta de tempo ou mesmo de interesse dos pais, a educação dos seus
filhos fica incumbida totalmente pela escola.
Curiosamente, sou professora da
rede pública de ensino e leciono numa escola de periferia em que existe o
famoso “lãzinha”(ou lanzinha), por que ele parece realmente com uma ovelha (ou melhor um cordeiro!) por sua pelagem. Ele é um cão comunitário também idoso
e adorado por todos. Afinal ele já se tornou uma figura histórica na comunidade
escolar, se não me engano ele vive nas redondezas da escola há 15 anos. Ele tem
duas madrinhas e porque não dizer “mães” que cuidam de seus mínimos detalhes de
saúde e alimentação e o observam cuidadosamente para saber se está tudo bem com
ele.
Quando fica doente, é aquela
preocupação, faz-se até uma vaquinha para custear o tratamento médico. Quer
maior exemplo de respeito e solidariedade com um animal do que este no entorno
de uma comunidade escolar? Sim, esta é uma escola pública, de periferia, do
povo mesmo e pratica os ensinamentos de Francisco de Assis.
A principal tarefa da educação
transformadora é lidar com as diferenças de condição de vida, ou seja; as
pseudo-hierarquias que foram estabelecidas entre humano e os não-humanos, e que
criaram o abismo e os estranhamentos entre a humanidade e natureza. Tal
processo criou o que assistimos hoje, a “crise civilizatória”, marcada por
violências de todos os tipos, guerras, corrupção, discriminação de gênero e que
na realidade representa a “crise do humano-humano” e que atua diretamente sobre o planeta de modo destrutivo.
Logo, a educação biocêntrica
prioriza o sentido de igualdade a existência de todos os seres, independente de
hierarquias pré-estabelecidas e antropocêntricas que rebaixam a condição de
existência de outros seres não-humanos a inferioridade.
Swami Fonseca é bióloga e educadora
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